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Cap¨ªtulo 5 . Gest?o da d¨ªvida p¨²blica

A crise da Covid-19 obrigou as economias emergentes e em desenvolvimento a exceder seus n¨ªveis de d¨ªvida p¨²blica, que j¨¢ eram recorde, para mitigar os impactos econ?micos da crise nas fam¨ªlias e suas economias dom¨¦sticasi. A m¨¦dia da d¨ªvida total dos pa¨ªses de renda baixa e m¨¦dia aumentou cerca de 9 pontos percentuais do produto interno bruto (PIB) durante o primeiro ano da pandemia, em compara??o a um aumento anual m¨¦dio de 1,9 ponto percentual ao longo da d¨¦cada anterior (figura 5.1).

Figura 5.1. D¨ªvida bruta do governo geral como parcela do PIB por grupo de renda do pa¨ªs, 2010¨C2020



Fonte: Equipe do RDM 2022, com base em dados do FMI (2021b); Banco Mundial, Indicadores de Desenvolvimento Mundial (banco de dados), . 

Observa??o: A figura apresenta o estoque da d¨ªvida do governo geral como porcentagem do produto interno bruto (PIB) por classifica??o de renda do Banco Mundial.

O ac¨²mulo resultante da d¨ªvida p¨²blica imp?e riscos significativos para a recupera??o econ?mica mundial. Governos superendividados n?o t¨ºm capacidade para investir em bens p¨²blicos, como educa??o e sa¨²de p¨²blica, o que se traduz em risco de resultados piores de desenvolvimento humano e aumentos abruptos da desigualdadeii. Os pa¨ªses em situa??o de superendividamento tamb¨¦m t¨ºm capacidade limitada para lidar com choques futuros e podem ser incapazes de servir como credores de ¨²ltima inst?ncia para empresas do setor privado que precisem de assist¨ºncia governamentaliii.

A crise sist¨ºmica da d¨ªvida que afetou significativamente as economias emergentes na d¨¦cada de 1980 ilustra as terr¨ªveis consequ¨ºncias econ?micas e sociais decorrentes de atrasos na a??o pol¨ªtica para mitigar os riscos da escalada da d¨ªvida p¨²blicaiv. Muitos pa¨ªses da Am¨¦rica Latina e da ?frica Subsaariana vivenciaram uma d¨¦cada perdida de desenvolvimento: a infla??o aumentou, o c?mbio depreciou significativamente, a produ??o entrou em colapso, a renda despencou e a pobreza e a desigualdade aumentaram em todas as regi?es. Os 41 pa¨ªses que deram default em suas d¨ªvidas p¨²blicas entre 1980 e 1985 precisaram, em m¨¦dia, de oito anos para recuperar seus n¨ªveis de PIB per capita pr¨¦-crise. Nos 20 pa¨ªses com as piores quedas de produ??o, as consequ¨ºncias econ?micas e sociais da crise da d¨ªvida estenderam-se por mais de uma d¨¦cada. 

A experi¨ºncia desses pa¨ªses ressalta a import?ncia de a??es urgentes para evitar uma crise prolongada da d¨ªvida ap¨®s a Covid-19. A solu??o? Os pa¨ªses devem administrar a d¨ªvida governamental insustent¨¢vel de forma r¨¢pida e proativa para minimizar seus custos econ?micos e sociais e permitir que os gastos p¨²blicos alimentem uma recupera??o econ?mica equitativa. A abordagem depende da gravidade dos desafios da d¨ªvida ¡ª ou seja, do est¨¢gio atual do problema. Os elementos da abordagem incluem os aspectos descritos a seguir.

Gest?o da d¨ªvida p¨²blica para garantir recursos para a recupera??o

Nos pa¨ªses com alto risco de superendividamento, a gest?o proativa da d¨ªvida pode reduzir a probabilidade de default e disponibilizar recursos para apoiar a recupera??o econ?mica. Em termos gerais, existem duas op??es para a gest?o da d¨ªvida: (1) reformula??o do perfil da d¨ªvida ¡ª isto ¨¦, modifica??es no cronograma agregado de pagamentos futuros do pa¨ªs por meio de refinanciamento, substitui??o da d¨ªvida ou renegocia??es; ou (2) reestrutura??o da d¨ªvida ¡ª isto ¨¦, modifica??es na estrutura financeira dos passivos para reduzir seu valor presente l¨ªquido.

Uma opera??o de reformula??o do perfil da d¨ªvida pode ser ¨²til quando um pa¨ªs tem m¨²ltiplos empr¨¦stimos a vencer no mesmo ano ou outros tipos de exposi??o acumulada, como na composi??o cambial dos passivos. O pa¨ªs poderia emitir novas d¨ªvidas com perfil de vencimento mais longo ou mais regular. Essas opera??es tamb¨¦m podem ajudar a gerenciar riscos cambiais, que, com frequ¨ºncia, elevam as preocupa??es com a sustentabilidade da d¨ªvida. Nesses casos, em vez de alterar o vencimento da d¨ªvida existente, a opera??o de reformula??o do perfil da d¨ªvida eliminaria a d¨ªvida existente denominada em uma moeda e emitiria nova d¨ªvida em outra moeda. 

Os pa¨ªses que enfrentam um risco crescente de inadimpl¨ºncia tamb¨¦m t¨ºm a op??o de iniciar negocia??es preventivas com seus credores visando a uma reestrutura??o da d¨ªvida. Essa op??o se beneficia principalmente da transpar¨ºncia em torno dos termos e da propriedade da d¨ªvida. As evid¨ºncias indicam que as reestrutura??es preventivas s?o resolvidas mais rapidamente que as reestrutura??es p¨®s-inadimpl¨ºncia [default], levam a uma exclus?o menos prolongada do pa¨ªs dos mercados de capitais globais e est?o associadas a uma menor perda de produ??ov. Nessas situa??es, ¨¦ importante minimizar as chances de um credor individual tentar manter a situa??o para colher os benef¨ªcios da opera??o.

Resolu??o do superendividamento 

Quando um governo se encontra em situa??o de superendividamento, as op??es para enfrentar o problema s?o mais limitadas. Uma ferramenta importante nessa fase ¨¦ a reestrutura??o da d¨ªvida associada a um plano de reforma fiscal e econ?mica de m¨¦dio prazo. A otimiza??o do uso dessa ferramenta requer o reconhecimento imediato da extens?o do problema, coordena??o com e entre os credores e um entendimento por parte de todos de que a reestrutura??o ¨¦ o primeiro passo para a sustentabilidade da d¨ªvida. Institui??es financeiras internacionais, tais como o Fundo Monet¨¢rio Internacional e o Banco Mundial, frequentemente desempenham um papel importante no processo de reestrutura??o da d¨ªvida das economias emergentes, fornecendo as an¨¢lises de sustentabilidade da d¨ªvida necess¨¢rias para compreender o problema de forma mais completa e, muitas vezes, oferecendo o financiamento adequado para viabilizar uma solu??o.

Um acordo de reestrutura??o ¨¢gil e profundo permite uma recupera??o mais r¨¢pida e sustentadavi. Dados hist¨®ricos, entretanto, revelam que o superendividamento de governos costuma levar anos para ser solucionado. Mesmo quando um pa¨ªs entra em negocia??es com seus credores, muitas vezes s?o necess¨¢rias m¨²ltiplas rodadas de reestrutura??o da d¨ªvida para que ele saia do superendividamento (figura 5.2). A Nig¨¦ria e a Pol?nia, por exemplo, tiveram de negociar sete acordos de reestrutura??o antes de conseguirem solucionar suas d¨ªvidas insustent¨¢veis.

Figura 5.2. 10. Reestrutura??o da d¨ªvida p¨²blica e dura??o da inadimpl¨ºncia [default], pa¨ªses selecionados, 1975¨C2000

A figura apresenta uma vis?o hist¨®rica da inadimpl¨ºncia dos governos e da reestrutura??o da d¨ªvida p¨²blica de 1975 a 2000. A figura exclui os pa¨ªses cober tos pela Associa??o Internacional de Desenvolvimento (AID) e pela Iniciativa de Pa¨ªses Pobres Muito Endividados (PPME).
 


Fonte: Equipe do RDM 2022, com base em Cruces e Trebesch (2013); Farah-Yacoub, Graf von Luckner e Reinhart (2021); Meyer, Reinhart e Trebesch (2019); Reinhart e Rogoff (2009). 

Observa??o: A figura apresenta uma vis?o hist¨®rica da inadimpl¨ºncia dos governos e da reestrutura??o da d¨ªvida p¨²blica de 1975 a 2000. A figura exclui os pa¨ªses cobertos pela Associa??o Internacional de Desenvolvimento (AID) e pela Iniciativa de Pa¨ªses Pobres Muito Endividados (PPME).

Um desafio que os governos de economias emergentes enfrentam hoje ¨¦ a maior complexidade dos passivos soberanos. Entre os credores atuais, h¨¢ uma parcela maior de credores comerciais e n?o tradicionais. As fontes internas de financiamento tamb¨¦m aumentaram. Eventuais empr¨¦stimos do setor p¨²blico fora do balan?o patrimonial e muitas vezes n?o registrados (de empresas estatais e sociedades de prop¨®sito espec¨ªfico) tamb¨¦m t¨ºm apresentado tend¨ºncia de alta. Coletivamente, esses desdobramentos reduzem a transpar¨ºncia e dificultam a coordena??o entre os credores.

A reestrutura??o desempenhou um papel importante em quase todos os esfor?os para reduzir a d¨ªvida e solucionar o superendividamento em mercados e economias emergentes. No entanto, essa n?o ¨¦ a ¨²nica abordagem. Os governos tamb¨¦m costumam buscar a consolida??o fiscal e reformas estruturais ¡ª como, por exemplo, melhorar os fluxos de receita do governo e controlar o valor e a qualidade das despesas ¡ª para aumentar a capacidade de servi?o da d¨ªvida.

Meios menos ortodoxos de redu??o da d¨ªvida denominada em moeda nacional incluem a liquida??o por meio da infla??o ou da repress?o financeiravii. Embora essas abordagens tenham, muitas vezes, proporcionado uma redu??o da d¨ªvida, elas geralmente acarretam custos sociais e econ?micos extremamente altos que podem agravar a pobreza e a desigualdade; portanto, s?o, historicamente, um ¨²ltimo recurso.

Olhar para o futuro: aprimoramento da transpar¨ºncia e coordena??o e aumento das receitas

O aumento da d¨ªvida p¨²blica durante a crise da Covid-19 destaca a necessidade de estrat¨¦gias que possam facilitar a gest?o granular da d¨ªvida, sua negocia??o e o acesso aos mercados de capitais no longo prazo. Tr¨ºs amplas iniciativas se destacam no esfor?o para alcan?ar esses objetivos: maior transpar¨ºncia da d¨ªvida; inova??es contratuais; e reformas administrativa e tribut¨¢ria.

Uma gest?o eficaz e voltada para o futuro exige a divulga??o abrangente das demandas que afetam o governo e os termos completos dos contratos que regem a d¨ªvida. Eventos recentes destacaram o problema das d¨ªvidas ocultas ou n?o reveladas (como na Mal¨¢sia, em Mo?ambique e no Sud?o do Sul) e a possibilidade de questionamentos legais sobre a falta de autoridade de entidades governamentais e quase governamentais para celebrar contratos de d¨ªvida (como na Lib¨¦ria e na Rep¨²blica Bolivariana de Venezuela). A transpar¨ºncia sobre os valores devidos e sobre os termos contratuais n?o garante uma reestrutura??o acelerada, mas certamente prepara o terreno para um reconhecimento mais r¨¢pido dos problemas de sustentabilidade da d¨ªvida e um in¨ªcio mais r¨¢pido e favor¨¢vel das negocia??es.

Inova??es contratuais, por sua vez, podem ajudar a superar problemas de coordena??o e acelerar a reestrutura??o da d¨ªvida p¨²blica. Alguns exemplos s?o contratos de d¨ªvidas contingentes que protejam o mutu¨¢rio contra o risco de desastres; reformas legais que tratem de pr¨¢ticas problem¨¢ticas de aplica??o da lei contra Estados; e cl¨¢usulas de a??o coletiva (CACs), que podem levar a uma resolu??o mais r¨¢pidaviii. Essas inova??es s?o op??es positivas para novos contratos de d¨ªvida, mas s?o incapazes de resolver todos os problemas atuais. Elas s?o menos relevantes para lidar com d¨ªvidas que requeiram uma reestrutura??o porque os contratos contingentes respondem por uma pequena parcela dos contratos de d¨ªvida em aberto dos mercados emergentes; e os contratos que incluem CACs aprimoradas representam apenas cerca de metade dos contratos em vigorix.

No longo prazo, a pol¨ªtica e a administra??o tribut¨¢rias, juntamente com uma pol¨ªtica e gest?o bem-concebidas de despesas p¨²blicas, s?o essenciais para a sustentabilidade da d¨ªvida. O aumento das receitas tribut¨¢rias decorre principalmente de investimentos de longo prazo em capacidade tribut¨¢ria e de mudan?as estruturais na economia. Impostos sobre propriedade, renda e ganhos de capital constituem estrat¨¦gias de gera??o de receita subutilizadas na maioria das economias emergentes. Essa pol¨ªtica tribut¨¢ria ajudaria a mitigar os impactos adversos da Covid-19 sobre a pobreza e a desigualdade. As estrat¨¦gias de mobiliza??o de receitas tamb¨¦m devem aumentar os incentivos para que mais empresas se formalizem.